O envelhecimento da população mundial, e em particular no nosso contexto europeu, afigura-se como um dos grandes desafios do séc. XXI. A estatística indica-nos que em 2020, 20% da população europeia tenha 65 ou mais anos de idade, com especial relevo nos que se situam na faixa dos 80 anos ou mais.
Um envelhecimento saudável é um processo que, desde logo, deve ser acompanhado pela sociedade onde se inserem os mais idosos sendo que esta deve assegurar, entre outros aspetos, a segurança dos mesmos, nomeadamente ao nível da sua integridade física e psicológica.
Infelizmente, nesta nossa sociedade contemporânea a violência contra as pessoas idosas tem vindo a aumentar e revela-se das mais variadas maneiras, sendo que as três maiores manifestações traduzem-se na:
Violência física, que naturalmente implica crimes de ofensa à integridade física, maus tratos físicos, intervenções e tratamentos médicos arbitrários;
Violência psicológica e verbal, o que implica a prática do crime de ameaças, injúrias acompanhada, em muitos casos, de humilhação e isolamento social. A violência psicológica ou verbal é a segunda causa mais comum de violência sobre as pessoas idosas, logo de seguida à negligência.
A Negligência e abandono traduz-se no ato de omissão de auxílio do responsável pela pessoa idosa em providenciar as necessidades básicas, necessárias à sua sobrevivência, por exemplo, crime de omissão de auxílio é não providenciar acesso a cuidados de saúde, sendo que em consequência deste ato encontramos, cada vez mais, idosos com má nutrição e desidratação, com falta de condições de higiene, com roupa ou agasalhos inadequados para a estação do ano e a culminar, não poucas vezes, com o abandono em hospitais ou outros estabelecimentos dedicados à prestação de cuidados de saúde.
Estas situações e outras já encontram em múltiplos casos previsão legal específica no nosso Código Penal, desde logo, no tipo criminal dos maus tratos, onde foram expressamente contempladas as pessoas particularmente indefesas, em razão da idade, que estejam ao cuidado ou à guarda de outras (n.º 1 do artigo 152.º-A do Código Penal), bem como no tipo criminal da violência doméstica, onde se contemplam as pessoas particularmente indefesas, nomeadamente em razão da idade (alínea d) do n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal). Ainda no plano dos crimes contra as pessoas, o crime de ofensas à integridade física é agravado pelo fato de se tratar de uma vítima particularmente indefesa, em razão da idade (alínea c) do n.º 2 do artigo 132.º, ex vi n.º 2 do artigo 145.º do Código Penal.
São também agravados os crimes de ameaças e de coação, se forem praticados contra pessoa particularmente indefesa, em razão da idade (alínea b) do n.º 1 do artigo 155.º do Código Penal). Sendo que a pena aplicável ao crime de sequestro sofre, de igual modo, agravação se o mesmo tiver como vítima pessoa particularmente indefesa, em razão da idade (alínea e) do n.º 2 do artigo 158.º do Código Penal).
Já no âmbito de crimes contra o património, pela sua maior fragilidade física, as pessoas idosas são frequentemente vítimas de crimes de roubo, alguns deles perpetrados com grande violência, mas essa maior vulnerabilidade já foi atendida no Código Penal, onde consta como circunstância agravante do crime de roubo (alínea d) do n.º 1 do artigo 204.º, ex vi alínea b) do n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal), no qual se refere a especial debilidade da vítima, categoria na qual se integra a debilidade em razão da idade.
Também os crimes de burla em que as pessoas idosas são vítimas potenciais, pois em muitos casos vivem isoladas, com pouca informação atualizada sobre questões financeiras, sistema bancário e moeda, e, por força da idade e de uma vida de trabalho, possuem uma disponibilidade económica que é particularmente atrativa para os criminosos. A este respeito constata-se que já está prevista como circunstância agravante do crime de burla o aproveitamento, pelo agente, de situação de especial vulnerabilidade da vítima, nomeadamente em razão da idade (alínea c) do n.º 2 do artigo 218.º do Código Penal).
Os dados estatísticos da Associação Portuguesa de Apoio à Vitima, dizem-nos que, entre 2013 e 2015, os filhos foram os autores de quase 40% dos crimes de violência doméstica praticados contra mais de 2600 idosos e que foram acompanhados pela referida Associação, revelando aqui uma amostra de uma realidade crescente. Quem trabalha os dados, bem como, quem anda no terreno por força das funções que desempenha sabe que existe um aumento das situações em que a vitima é pai ou mãe.
Como naturalmente se compreenderá, a maioria das vitimas (neste último contexto) muito poucas vezes pede ajuda ou apresenta queixa, até porque para além da vergonha, existe implícito o sentimento comum de que falharam como educadores, vergonha e culpa tornam-se em mecanismos inibidores e por isso o alerta de uma sociedade atenta, pode e deve fazer a diferença na vida destas pessoas.
Existem, também, respostas socias, muitas vezes essenciais à manutenção da qualidade de vida das pessoas idosas com o objetivo de promover a sua autonomia, integração social e a saúde. As pessoas idosas poderão recorrer a serviços de: apoio domiciliário, centro de dia, centro de convívio, acolhimento familiar, lar de idosos, refeitório/ cantina social.
Esta é uma matéria social e penal que está longe de ver a sua discussão encerrada, quer por força de mudança urgente dos paradigmas em que vivemos, onde muitos despem a própria humanização, quer porque apesar de existirem enquadramentos jurídicos, tal como acima se exemplificou, tal não significa que o avanço da temática não force, mais dia, menos dia, ao regresso da discussão do alargamento da tipificação de mais algumas situações que tenham expressão autónoma num capítulo do código penal que configure, especificamente, crimes contra direitos fundamentais dos idosos, recorde-se que muito recentemente (ainda na anterior legislatura) tal matéria foi alvo de um projeto lei o P.L. 62/XIII que visava a alteração ao código penal introduzindo-se situações mais vastas que configurassem crime, como por exemplo: o abandono de pessoa idosa em hospitais ou outros estabelecimentos dedicados à prestação de cuidados de saúde, quando a pessoa idosa se encontre a cargo do agente, e que acabou por ser rejeitado em 14-07-2016 na votação na reunião da comissão parlamentar n.º 68.
“O ancião merece respeito não pelos cabelos brancos ou pela idade, mas pelas tarefas e empenhos, trabalhos e suores do caminho já percorrido na vida.” In textos judaicos