Admissibilidade da Videovigilância e possibilidade de utilização como Meio de Prova em Processo Disciplinar

Admissibilidade da Videovigilância e possibilidade de utilização como Meio de Prova em Processo Disciplinar

O Código do Trabalho consagra no seu artigo 20º, nº1, o postulado de que o empregador “não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador”. Este princípio vê posteriormente uma possível derrogação, na exceção consagrada no seu nº 2, admitindo que possa ser lícita a utilização do equipamento, quando este tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens, ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade assim o justifiquem.

Porém, este preceito não é simples de analisar, nem para tanto pode ser aplicado de forma imediata e automática, carecendo de uma análise circunstanciada dos seus alicerces, por forma a verificar a sua admissibilidade, caso a caso.

Para que seja admissível a utilização de videovigilância, teremos sempre de recorrer ao princípio da legitimidade do controlo por parte do empregador, algo que terá de ser aferido em cada situação em particular. Ora o referido princípio significa que, o fim para o qual são colocadas as câmaras, bem como o modo como é feita a recolha de dados, que terá forçosamente de estar em consonância com o novo Regulamento de Proteção de Dados, devem estar conformes com o admitido no nosso ordenamento jurídico e, principalmente, respeitar os direitos fundamentais dos trabalhadores.

Outro principio que terá de ser considerado é o princípio da proporcionalidade. Nesses termos, o empregador deverá em primeiro lugar, definir qual o fim que pretende alcançar, e se a videovigilância é o meio mais adequado para tal. Ou seja, é indispensável uma ponderação de, se o meio escolhido é o necessário e, por fim, se os sacrifícios que a videovigilância coloca no direito à privacidade dos trabalhadores, são ou não proporcionais ao fim que se visa alcançar com a mesma. Concluindo, deve o empregador aferir se existe ou não, um outro meio, menos pesaroso para a salvaguarda dos direitos de personalidade dos trabalhadores, e que lhe permita atingir de igual forma o fim pretendido.

Já o princípio da necessidade deverá igualmente ser tido em consideração durante este processo de análise da seguinte forma:

  1. a) Optar pela utilização de um sistema de vigilância com gravação apenas de imagens e não de som;
  2. b) Preferir a utilização de sistemas com visualização, sem necessidade de gravação das imagens;
  3. c) Optar pela colocação de câmaras fixas ao invés de câmaras de vídeo móveis;
  4. d) Preferência pelos circuitos fechados de televisão, de forma a minimizar os efeitos deste controlo sobre os trabalhadores;

Sempre que se justifique a instalação deste tipo de câmaras de vigilância, e que o mesmo seja plenamente admissível de acordo com os princípios supra visados, o empregador deve informar o trabalhador e quaisquer outros interessados, de que o local se encontra sob controlo, disponibilizando as informações a respeito da identidade do responsável pelo tratamento de dados, a finalidade a atingir e o tipo de controlo a ser operado, dando assim cumprimento ao princípio da transparência.

Outra questão pertinente surge quando se fala em videovigilância, nomeadamente, se este tipo de imagens podem ser valoradas como prova, em sede de processo disciplinar.

A resposta contudo não é exata, existindo divergência jurisprudencial neste campo.

Um dos exemplos nesta matéria é o Acórdão da Relação de Lisboa, de 16 de Novembro de 2011, o qual teve por objeto averiguar se as gravações captadas por câmaras de vigilância num local de trabalho poderiam ou não ser valoradas como meio de prova em sede de processo disciplinar. Ora no caso versado, a primeira instância havia decidido que o trabalhador não só tinha cometido um ilícito laboral, violando o dever de lealdade, como também um ilícito de foro penal, uma vez que este estava acusado de desviar de forma diária, paletes da propriedade da entidade empregadora. No respeitante ao ilícito penal, duvidas não restam de que as imagens captadas pelas câmaras de videovigilância podem ser utilizadas para efeitos de prova, no entanto o mesmo não é assim tão líquido no tocante ao processo laboral. Neste caso em concreto, o Tribunal apurou que a colocação das câmaras se fez dentro dos limites impostos, cumprindo com todos os postulados supra descritos, determinando este meio de prova como admissível em sede disciplinar.

Igual entendimento é vertido no Acórdão da Relação do Porto, de 26 de Junho de 2017, em que se refere ser de “aceitar as imagens captadas por sistema de videovigilância como meio de prova em processo disciplinar e na subsequente ação judicial em que se discuta a aplicação de sanção disciplinar, mormente o despedimento, desde que sejam observados os pressupostos que decorrem da legislação sobre a proteção de dados e concomitantemente se conclua que a finalidade da sua colocação não foi exclusivamente a de controlar o desempenho profissional do trabalhador. Num quadro circunstancial assim apurado, o trabalhador não merece – nem a lei lhe confere – maior proteção do que aquela que é conferida aos demais cidadãos e, logo, o meio de prova é lícito e admissível.”

Opinião dissemelhante é a do Acórdão da Relação de Lisboa, de 19 de novembro de 2008, em que se refere expressamente não ser “admissível, no processo laboral e como meio de prova, a captação de imagens por sistemas de videovigilância, envolvendo o desempenho profissional do trabalhador, incluindo os atos disciplinarmente ilícitos por ele praticados”. Foi entendimento deste Tribunal que, ainda que estejam em causa interesses económicos da empresa, tal não justifica a intromissão do empregador, através do controlo por meios audiovisuais, meios esses que possam comprometer a privacidade do trabalhador. Pode ler-se também no Acórdão da Relação de Lisboa, de 03 de maio de 2006, que “sendo o fim visado pela videovigilância exclusivamente o de prevenir ou reagir a casos de furto, vandalismo ou outros referentes à segurança de um estabelecimento, relacionados com o público – e, ainda assim, com aviso aos que se encontram no estabelecimento ou a ele se deslocam de que estão a ser filmados – só, nesta medida, a videovigilância é legítima. A videovigilância não só não pode ser utilizada como forma de controlar o exercício da atividade profissional do trabalhador, como não pode, por maioria de razão, ser utilizada como meio de prova em sede de procedimento disciplinar pois, nestas circunstâncias, a divulgação da cassete constitui, uma abusiva intromissão na vida privada e a violação do direito à imagem do trabalhador”.

Nestes termos, a referida matéria revela-se como altamente sensível, pois que envolve direitos intrínsecos dos trabalhadores, em oposição a interesses da própria entidade empregadora, existindo opiniões divergentes, até mesmo no seio dos Tribunais. Pelo que se torna altamente relevante analisar em profundidade cada um dos casos, e verificar as motivações que estão na base dos mesmos, de forma a efetuar uma ponderação devidamente ajuizada e fundamentada, no que respeita à legitimidade do uso deste tipo de mecanismo de vigilância no local de trabalho.

Saliente-se, um aspeto de relevo do Novo Regulamento de Proteção de Dados, que entra em contradição com o estipulado no próprio Código do Trabalho. Até então era necessário que a CNPD se pronunciasse sobre diversas temáticas, de forma prévia, inclusivamente a videovigilância, podendo limitar ou condicionar a utilização deste sistema. Porém, a ratio do Novo Regulamento, pretende alterar o pendor da intervenção prévia da CNPD, passando as próprias entidades responsáveis pelo tratamento a verificar o cumprimento dos diversos requisitos, adotando medidas que salvaguardem a proteção dos dados dos visados. No entanto, este novo paradigma, defendido pelo novo Novo Regulamento, entra em colisão com o preceituado no Código do Trabalho, porquanto contraria o disposto no artigo 21º do diploma, segundo o qual, a CNPD tem efetivamente de dar a sua autorização para a instalação. Assim, parece-nos que será cauteloso esperar pela regulação nacional do Regulamento Europeu, com instruções mais concisas e particulares, sobre este tipo de problemática, decidindo se a norma do Código do Trabalho é ou não revogada e em que moldes.

Em suma, na nossa opinião, se todos os princípios inerentes à instalação deste tipo de mecanismo estiverem verificados, especialmente todos aqueles conotados com o Regulamento de Proteção de Dados, salvaguardando-se o regular tratamento dos mesmos e os direitos dos seus titulares, tornando-se a videovigilância plenamente admissível, parece-nos ser de concluir que as imagens gravadas poderão efetivamente ser valoradas como meio de prova.

Autor: Catarina Luís

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